segunda-feira, 28 de novembro de 2011

A casinha no bixiga

eu soltaria todos esses passarinhos
e tiraria esses fio tudo
e teria mais plantinhas
e os gatos se lamberiam ao sol da tarde, mas só no inverno.
eu leria pra você
e você leria pra mim, porque as vistas já estão comprometidas.
nós ouviríamos discos, você escolhe uma música, eu escolho outra, depois deixaríamos um disco inteiro e tocaria crazy da patsy cline e eu ia fazer ahhh e te apertar mais e mais como se quisesse fundir em você
eu serviria mais uma dose pra virar o disco e
ahhhh
muito tempo se passaria ali. anos.
nossas peles enrugariam e nós contaríamos rugas, meu cabelo ficando vermelho demais no branco,
você achando lindo de qualquer maneira.
até que você ficaria doente
e eu ficaria doente também, doente por causa da sua doença
e nós veríamos as fotos de quando dançávamos na frente daquele espelhão, os dois bonitos e jovens
eu ruiva e cabeluda ainda
você já se achando velho e cansado.
eu cozinharia para você
levaria as coisinhas que você não alcançasse
eu cuidaria de você mesmo doente também, porque eu sou forte.
um dia num fim de tarde você me chamaria e apertaria a minha mão.
e eu saberia.
sentaria ao seu lado, as lágrimas molhando as suas mãos manchadas
e você diria
“eu sempre te amei”
e
“nós fomos tão felizes aqui”
e eu fecharia os olhos sentindo a vida se esvaindo de você
e você morreria segurando a minha mão que nem a gente combinou há tanto tempo
e você diria
nada
porque estaria de olhos fechados e eu saberia que você não estava mais lá, e esconderia o rosto na sua mão com a maior dor da minha vida, apertando mas não muito, porque não teria forças.
uns dias depois minha doença pioraria
minha filha querendo me internar e eu dizendo
nunca
quero morrer aqui, na nossa casinha.
então uma semana depois eu iria dormindo
e te encontraria em algum lugar bem bonito.
mas só
se a vida fosse
numa casinha
no bixiga.

 http://entretenimento.r7.com/blogs/clara-averbuck/2009/05/28/a-casinha-no-bixiga/

Um comentário: